terça-feira, 15 de dezembro de 2009




A noite tem olheiras

Na noite que não adormece
Alguém vasa os olhos
E corta a garganta de desespero.

Na noite que não adormece
Alguém pensa em partir
Para nunca mais voltar
Alguém volta mais triste que na partida

Na noite que não adormece
Bêbados duplicam as ruas,
Duplicam as luas,
E a única solução é a de estar bêbados.

Na noite que não adormece
Porque não deixamos,
Acontece o dia
Que nunca acorda a noite,
Porque a noite está sempre acordada,

Esperando por nós,
Homens e mulheres,
Partidos, tristes,
Alegres e desesperados.


João Bosco da Cunha Melo (Meu pai) do livro: Força Bruta







XVII


Da vez primeira em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eue tinha...
Depois, de cada vez que me mataram,
Forma levando qualquer coisa minha...

E hoje, dos meus cadáveres, eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada...
Arde um toco de vela, amarelada...
Como o único bem que me ficou!

Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!
Ah! Desta mão, avaremente adunca,
Ninguém há de arrancar-me a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror!Voejai
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz do morto não se apaga nunca.

Tirado do livro: Rua dos cataventos (Mário Quintana)