quinta-feira, 19 de março de 2009

Cantar e voar




Ontem cantei um canto desafinado,
Cantei com vontade de cantar,
Cantei sem intenção de ferir,
Sem intenção de mostrar dotes musicais,
Canto como quem sorri alto
E incomoda os transeuntes
Invejosos da minha falta de vergonha.
Canto como quem chora
E lava a alma com lágrimas musicais.
Felicidade é a de ser pássaro,
Cantar e voar,
Sem críticos para avaliar,
A subtonação da nota musical,
A aerodinâmica de um vôo aeroespacial,
Nada traduz o prazer de ser pássaro.
Nada traduz a liberdade de querer ser pássaro.








quinta-feira, 12 de março de 2009

Mente em erupção




Revolvo os papéis da minha memória,
A atividade cessou sua produção.
O medo foi extinto
Por uma breve combustão.
O mercúrio estancou
As larvas do meu vulcão.
Voltei ao princípio de toda criação,
Revolvendo papéis extintos,
Na minha clara escuridão.
As palavras se organizam
Em uma grande confusão,
Pois as idéias carbonizaram
Nas larvas do meu vulcão.
Corro ao redor do quarto
Com a cabeça em erupção,
Volto a caneta ao papel
Impulsionando minha pobre mão,
Enfim irei me jogar,
Junto aos papéis, a caneta, a solidão...
As larvas desse furioso vulcão.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Não me ame mais



Não me ame mais.
Deixe que o amor se entorpeça
Em sua única melodia
Simples e sem sobressaltos.
Não me ame mais.
Por que o amor pode ser demais
Até não caber em nós.
Pode ser fardo,
Prisão sem sol, sem chuva,
Sem nenhuma inspiração.
respiremos o amor,
Vamos deixar que entre
Sem perguntar de quem foi,
Para onde vai.
Esse amor que nos damos
Será nosso para sempre,
E se deixar de existir
Nunca será de nínguem.
Caso venha outro amor,
Será amor novo,
Amor com cheiro de flor de maio.

Anjo sem asas




Uns pássaros são cinzentos,
Outros são azulados,
Mas isto não importa,
O que importa é que eles voam alto
E não tem medo da descida,
Que numa trovoada mágica
Atinge o medo e gela a alma,
Anunciando que o medo
É o nosso irmão mais velho,
Que nos priva do perigo
E nos leva de volta ao lar,
Onde tudo permanece em seu devido lugar,
Onde os objetos irritantemente imóveis
Subestimam a nossa capacidade
De discernimento.
E num grito surdamente calado,
Ensurdecedoramente barulhento,
Fere com o punhal invisível do tempo,
O corpo já atrofiado e esquecido
Pela deformidade das suas asas.

Olhos impunes





Daqui desta arquibancada
A tudo observo inválida,
Homens, mulheres e lágrimas
Constantemente são derramadas.
Os olhos cravados no chão da cidade,
As múltiplas sombras de um só corpo,
As calçadas, gélidas e indiferentes
A cada tambo.
Os gritos que daqui e ali ressoam
Gelam ainda mais o ar da madrugada,
Gelam ainda mais
As almas esfaceladas pelo medo.
Embriagadas de angústia,
Ou um vinho barato, vermelho e confidente,
O último de uma velha safra
Indesejável e contundente,
Triturando ainda mais
Da sobriedade que ainda restava
Daquele corpo raquítico e edemático,
Que ainda possui a esperança geriátrica,
De ter sua sentença elástica
Junto a ele enterrada.
Daqui desta arquibancada
A tudo observo apática.
Tenho dois olhos impunes,
Mil faces na cara,
E sou mais uma vítima
Que sente a dor ebriática,
De ter sanidade de sobra
E não ter inocência em nada.

Flores de plástico



Quem dera ser uma flor de plástico
Dessas que a gente põe num vaso
De cristal ou de vidro.
Quem dera ter um coração de plástico,
Que não se quebra como vidro.
As flores de plástico não precisam de abrigo,
Nem morrem quando não se rega,
Não temem, não se degradam,
Não murcham quando não se afaga,
Flores mal amadas
E nem por isso secam.
Sempre o mundo embelezam,
Estando no lixo
Ou no escuro do quarto.
Esquecidas flores
Que no canto da sala resistem a maldita sina,
De serem sempre trocadas
Por flores sempre mais belas.

O pó





Limpamos a areia dos sapatos
Mas sempre restará o pó.
Varremos o chão do quarto
Mas sempre restará o pó.
Deixamos a casa vazia
Mas sempre restará o pó.
Restará o pó se o amor terminar,
Restará o pó se o corpo morrer,
Restará o pó se o sol não nascer,
Restará o pó se o mundo acabar.
O pó da criança que não viveu,
O pó do lixo que virou pó,
O pó do espelho que se partiu,
O pó do corpo que caiu,
O pó do câncer que ainda não surgiu.
O pó do pó,
O corpo do pó,
O enterro do pó.
O pó eterno que varremos da mente.
O pó que não se esconde.
O pó da desgraça,
O pó da saudade.
O pó do pó,
A caveira do pó.
O pó que não se subtrai.
O pó que varremos da calçada
De uma cidade qualquer,
Que abriga os desabrigados do mundo,
Que nasceram do pó,
E voltarão a ser pó.
Pois o pó será eterno,
Mais eterno do que a eternidade,
E em sua forma de pó
O pó será sempre pó.
Mesmo que limpemos nossas almas
Nunca estará limpa o suficiente.
Pois ao pó voltaremos
E depois nasceremos,
Sempre em forma de pó.

Terror noturno




É como se um enorme abismo
Em minha mente se abrisse,
E eu lá embaixo caísse,
Com medo de pedir socorro
Temendo não ser ouvida.
Profundamente me confundo
Acreditando no que antes duvidava,
Que escuridão claustrofóbica
E quanta náusea,
Estabelecidas desordenadamente
Em meu pobre raciocínio.
Me corto e me divido,
Crio seres indiferentes
E totalmente diversos.
Prego o terror nas ruas,
Prego bondade aos pássaros,
Cuspo no chão do quarto,
Limpo meu próprio excremento.
Para depois gritar ao mundo que sou feliz
E que tudo não passou de um sonho.

Orfã da desilusão





O difícil é tapar a ferida
Que sangra todos os dias,
Como me dói esse corte profundo,
Dilacera a carne do meu coração.
Me toma de assalto
Essa dor maldita,
Respiro profundo
Como quem grita,
Ecoando para dentro
Do meu pobre corpo.
Nesse instante
Já não sinto nada,
Foi-se a mágoa
Engolindo o choro,
Sem esperar cai somente uma lágrima
Pobre orfão da desilusão!
Que se refugiou do temporal sangrento,
Caindo nas teias da solidão.

O espelho



Quando esse espelho é posto em mina frente
É que descubro o frágil recinto
Que a minha alma ocupa.
É que descubro que nem mesmo um espelho
Possui a capacidade de refletir
A minha verdadeira face.
Diante dele não sou mais que um cinerário
Perdido no espaço.
Como um poema fatídico
É o meu destino nefasto.

Enquanto vive




Até quando deixaremos de ser livres
Para sermos tolos?
Enquanto não anoitece
Esperaremos o abraço
E a gratidão de quem nos virou a face.
Aguardaremos impassivos
O primeiro raio de sol,
Para que a claridade do dia
Nos traga de volta
O alívio de viver
Que do alto nos contempla.

Proporções





Dificilmente caminhamos
Sem antes dar um tombo,
Sem antes cair para depois levantar,
Como se nada dentro de nós
Houvesse modificado,
Como se a única e grande diferença
Fosse a mão que nos acolheu
Enquanto todos a nossa volta
Nos condenam com desprezo
E olhares habituais,
Como quem vê e não compreende
Aquele amontoado de braços,
Pernas e proporções.
Prosseguirei caindo
Sempre em busca dos mesmos dedos,
Com unhas, cartilagens e nervos.
Velhos e reais enquanto vivem,
Velhos e reais enquanto me sustentam.

Gotas da noite



Cada lágrima que cai,
Como sangue, como fruto,
Cada gota de orvalho
Cai da rosa como luto,
Mas o pranto desse instante
Renova a carne e o discurso.
Do punhal escorre o sangue.
Sangue nobre, sangue bruto.
É o sangue da paisagem
Que na arte se reflete.
E o pranto desse instante
Na tortura se reveste.

Fome literária



A palavra se esconde
E foge por entre as constelações
Invisíveis da mente,
O que me perturba
É essa ausência de motivos
Que me tragam inspiração para o poema.
É o que há e não quer existir.
As palavras me desafiam,
E eu as caço como o abutre
A carne já podre.

28/01/2000

O grito



Os gritos ressoam no infinito gramatical,
E literalmente calam a galáxia,
O que diz é indiferente
Aos ouvidos terrestres e rasteiros,
Grito de socorro?
Não, è o último apelo
Buscando a eficiência de novas soluções.
Os gritos ferem a galáxia,
Os gritos quebram as estrelas.
Só dessa forma a terra se faz ouvir.

Sede de existir



Estou muda,
Calada pela enorme
Realidade de ser,
Pela grande dor de existir.
Onde atos e gestos
Gravemente se confundem,
Em uma enorme confusão,
Entre acenar e apertar a mão.

Os vermes governam o mundo





Fere esta carne
Que tanto sofre,
Alimenta-te desta carne
Que hoje morre.
Agradece a teu pai
Por seres verme,
E se não te satisfaz
Esse banquete nobre,
Morre ao lado desse ser
Que viceja sobre a tua sepultura.

Girassol sem direção



Quando as pétalas da rosa mais pura
Perderem o encanto,
Todos os jardins do mundo
Ofuscarão o brilho mais opaco do sol,
E num suspiro de mágoa
Buscarão inútil,
O brilho da estrela mais tímida,
Que se refugiou no sonho mais triste,
De uma vida cheia de conflitos interiores.
O girassol mais belo perderá sua direção.
E mais uma lágrima
Virá a regar meus olhos
Já fatigados por tanta ausência.

Sono eterno



Aquilo estirado ao relento
É o espelho real de perigos cotidianos.
Todos anunciam a tua cara de espanto,
Observando aquele amargo
E estúpido castigo.
Aquilo que escorre ao relento,
É o batismo cruel
De teus pecados no mundo,
Dormes para sempre
E para sempre choram
O esperado e derradeiro pranto.
Oh! Maternidade fatídica
E de cruel agouro.
Extrema unção tão breve quanto a morte.
Quantos corações cabem em tua sorte?
Quantas lágrimas regarão teu manto?

Eternidade



Tudo o que vive varia,
Nessa variação constante
Tudo se cria.
Nada se perde,
Nada se confirma.
O que hoje possui forma
Amanhã se contraria.

Inércia



Papéis, canetas, palavras.
Esperam furiosos
De mim uma atitude.
Mas dolorosamente
Expremo com fúria
A minha pobre mente,
Onde teias, pó e palavras
Misturam-se a um antigo desejo
Literário e poético.
Devolvo a esses objetos
Uma breve utilidade de existência.
Onde no escuro da sala
Sofrem de uma dor intensa:
Existem, mas não pensam.
Estão frios e mortos
Na escuridão da inércia.

11/07/2002

Recordações



Vasculho os porões do meu passado,
Me entrego a pensamento e lembranças,
Mais vale retumbar na minha infância,
Que gritar dentro de mim na juventude.
Meu mais rico desejo é ter agora,
Essa esperança de odores específicos,
Me agarro a teus laços
E como grito,
Agora ao mundo, como vingança.
O que almejo
É o que em mim eu sempre tive.
Aqui o sufocado ainda vive.
Aqui meu inimigo é quem padece.



Tartaruga sem casco





Grito para todos os lados inutilmente,
Pois é como se não emitisse som algum.
A verdade é que os ouvidos ensurdeceram.
Me encontro cega na escuridão.
Tartaruga sem casco,
Gato sem garra,
Cachorro sem presa,
Braço sem mão.
Cercada por uma multidão
Que não ouve, não fala, não sente.
Cabeça de bicho, corpo de gente,
É assim que meu coração se sente.

A procura



Sou um feto
Em busca de um ventre,
Sou um espinho
Em busca de uma flor,
Me diz o teu sonho de pavor,
E apresente-se
Ao funeral do meu corpo,
Para depois tombar
E cair sobre ele.
Fujas se eu ressicitar
E mate-me outra vez.

Pisando nos astros



Na aurora boreal de todos os limites,
Estrago meus papéis, meus desafios,
Penetro no cruel subterrâneo dos sentidos,
Onde o consciente jamais se precipita.
Na aparição de um sorriso moribundo,
Criado pelos sonhos cadavéricos, confusos,
Me anunciando os desejos mais profundos.
Declamando sobre os astros
As poesias mais profanas.

Determinação



Deixe que o dia lhe abrace
Numa manhã qualquer,
Para que possas retirar da boca
O que ficou das noites passadas,
Onde uma palavra indigesta
Ficou sem explicação,
Nunca desista do tempo,
De recuperar
O passado no presente
E o futuro nos dias que virão.

Conflito



Existe um ser dentro de mim
Que tem sede de existência ,
Hoje o encontro
Mastigado e devorado
Pelos dentes do meu interior,
Tento recuperá-lo,
Caco por caco,
Tentando buscar em mim
Um cirurgião plástico.